By: Salvadora Morales, David Mizrahi & Jason Mobley
A Sincronía: Aves limícolas e caranguejos-ferradura
No final de fevereiro e março no Brasil, Colômbia, Nicarágua e em todos os sítios de invernada, o maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla) e outras espécies de aves limícolas migratórias de longa distância se preparam para sua migração de primavera. Eles realizarão voos de milhares de quilômetros para chegar aos locais de parada, na rota para suas áreas de reprodução no Ártico. Antes de deixar seus territórios não reprodutivos, essas aves se alimentam freneticamente para aumentar a sua massa, acumular gordura e esperar ventos favoráveis. Ao mesmo tempo, com uma sincronia quase perfeita, os caranguejos-ferradura (Limulus polyphemus) esperam a temperatura das águas costeiras do Oceano Atlântico esquentar para desovar nas praias. Tipicamente, as aves limícolas chegam no litoral Atlântico dos EUA quando os caranguejos estão começando a desovar e estes ovos serão a sua principal fonte de energia no caminho aos sítios reprodutivos. Quando eles chegam nos sítios de parada, chegam incrivelmente fracas. Um Calidris pusilla chega pesando em média 20 gramas e precisará dobrar seu peso para continuar a jornada. A energia que eles acumularam nas áreas de invernada é suficiente apenas para chegar até as praias da Baía de Delaware/EUA. Se a água estiver muito fria, os caranguejos não desovaram. Se a temperatura da água aumentar antes do tempo certo para a migração, a sincronia pode ser perdida e um desastre para as aves. Parar e encontrar comida pode significar a diferença entre a vida e a morte.
A Iniciativa Conectando os Pontos
A iniciativa internacional para a conservação das aves limícolas migratórias “Conectando os Pontos” liga aves limícolas, áreas, pessoas e pesquisas. O programa foi iniciado em 2005 por Dr. David Mizrahi, Vice-Presidente de Pesquisa e Monitoramento da ONG norte-americana, New Jersey Audubon. Para abordar o ciclo de vida completo dessas aves migratórias e entender melhor os desafios que elas enfrentam, a iniciativa não só trabalha na Baía de Delaware, mas também no Brasil, Suriname e Guiana Francesa desde 2008, e começou a apoiar a capacitação de uma equipe técnica trabalhando no Golfo da Fonseca na América Central. O maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla) é a espécie foco da iniciativa. Entre o mês de maio e o início de junho na Baía de Delaware, as aves são capturadas, anilhadas e marcadas com bandeirolas verdes, cada uma exibindo códigos únicos. O monitoramento dos indivíduos marcados permite aos pesquisadores estudar a tendência populacional da espécie e monitorar suas condições físicas ao longo do tempo. Um dos componentes mais importantes da iniciativa Conectando os Pontos é a capacitação de pesquisadores que venham participar nas campanhas de anilhamento. Até o momento, houve a participação de trinta e cinco colaboradores de onze países diferentes. De 2005 a 2011, a iniciativa contou com o programa “Parks in Flight” para trazer colaboradores da América Central e do Sul. Desde 2012, a iniciativa contou com o apoio de vários patrocinadores da New Jersey Audubon para ajudar a sustentar o programa nos últimos 10 anos.

Instalando Redes de Neblina para monitoramento de aves limícolas na Área de Gestão da Vida Selvagem em Heislerville, Baía de Delaware.
Como os sítios estão conectados?
Jason Mobley, Gabriela Ramires e Onofre Monteiro fizeram parte da equipe de anilhamento deste ano. Eles são os coordenadores do Programa Aves Migratórias da ONG brasileira Aquasis – Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos. A equipe da Aquasis também realiza campanhas de anilhamento de aves limícolas durante a temporada não reprodutiva na área do Banco dos Cajuais, o terceiro sítio WHSRN no país e designado pela Aquasis em 2017. Com o apoio do programa Conectando os Pontos, governo federal do Canadá e do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) do Brasil, nos primeiros anos da construção do Programa Aves Migratórias a equipe da Aquasis desenvolveu sua capacidade técnica trabalhando juntos, tanto no Banco dos Cajuais quanto na Baía de Delaware. Entre os estudos baseados nas metodologias de anilhamento e telemetria, New Jersey Audubon e Aquasis têm vindo a desenvolver pesquisas para identificar boas práticas na carcinicultura da região costeira do nordeste do Brasil. Estas colaborações fazem parte integral nas estratégias da Aquasis para a conservação de aves costeiras por meio do planejamento e manejo de unidades de conservação, existentes e propostas em todo o litoral semiárido da América do Sul.
A equipe de anilhamento deste ano na Baía de Delaware contou também com a participação da Yoleydi Mejia, do Programa de Pesquisa de Quetzalli Nicarágua, e Salvadora Morales, especialista em Carcinicultura e Conservação da Manomet. Ambas trabalham na Reserva de Aves Limícolas do Delta do Estero Real na Nicarágua, também parte da rede WHSRN, e assim como a equipe do Brasil, o programa de Quetzalli vem trabalhando com os produtores para desenvolver um programa direcionada para conservação de aves limícolas no âmbito de carcinicultura. Por fim, a equipe Conectando os Pontos deste ano também contou com a participação da Marlyn Zuluaga, pesquisadora colombiana fazendo doutorado na Universidade da Flórida. Sob a coordenação de David Mizrahi e Lena Usyk, a campanha de anilhamento de 2022 na Baía de Delaware foi uma das experiências humanas mais bonitas para todos os participantes.
O que foi aprendido durante a campanha de anilhamento?
A Baía de Delaware é um local de muito aprendizado para quem vem dos trópicos, bem como um modelo de pesquisa, monitoramento e gestão para aves limícolas. A primeira lição para alguns dos participantes era entender melhor a importância da Baía de Delaware como um local chave de parada durante a migração em direção às latitudes norte, a forma que as aves se aglomeram por espécie, ao contrário do que se observa no Delta del Estero Real, onde todas as espécies descansam juntas nos mesmos espaços. Na Baía de Delaware, as diferentes espécies usam diferentes áreas para forragear, mas eventualmente se juntam para descansar. Os participantes aprenderam técnicas de captura (redes ‘whoosh’ e redes de neblina), a extração das aves da rede, segurança no manuseio das aves capturadas, a colocação de bandeirolas e anilhas, a coleta de amostras de sangue e a fixação de aparelhos de rastreamento (nanotags e Lifetags). Uma vez que as aves são marcadas, pesquisadores e observadores de aves voluntários podem relatar quais aves marcadas foram avistadas em outros locais do hemisfério através de uma plataforma online <www.bandedbirds.org>. Para todos os participantes do programa de 2022 também foi uma tremenda experiência de aprendizagem. Yoleydi Mejía expressou que “participar desta iniciativa foi um privilégio, a experiência ajuda a aprender tudo o que pode ser estudado sobre aves limícolas, aprender sobre tecnologia e entender a grande lacuna que ainda temos em nossos países”.
Como foi a campanha de anilhamento desta temporada?
David Mizrahi explica que a temporada de 2022 na Baía de Delaware foi um pouco difícil em comparação aos outros anos, mas no geral os resultados foram melhores do que nos dois anos anteriores, que foram impactados significativamente pelo Covid-19. Infelizmente, parece que havia menos aves limícolas fazendo parada na área do estudo em comparação com 2019, nosso último ano bom antes da pandemia. As aves limícolas estavam mais espalhadas na área da baía do que nos anos passados, o que dificultou ainda mais a captura delas. Como resultado, apenas 1.279 C. pusilla foram anilhados, 30% menos que a média pré-COVID de ~1.800 indivíduos marcados. A desova do caranguejo-ferradura foi boa este ano e parecia haver ovos suficientes disponíveis para as aves limícolas se alimentarem. Um dos problemas enfrentados pelas migratórias que param na Baía de Delaware são os falcões-peregrinos, que hoje em dia se reproduzem de forma regular no entorno da baía. A pressão desses predadores fez com que as aves limícolas abandonassem alguns locais preferidos de alimentação e descanso que podem ser muito arriscados. Esse problema, combinado com a alta variabilidade na disponibilidade de ovos de caranguejo-ferradura de um ano para outro, pode resultar no declínio da área como um local de parada principal para aves limícolas migratórias. A sobrevivência e o sucesso reprodutivo de muitas aves limícolas dependem de uma Baía de Delaware segura e saudável, por isso estamos trabalhando para salvaguardar a integridade desse ponto de parada crítico durante a migração.

Macarico-Rasteirinho sinalizado com verde claro e código HY* alimentado na Ilha do Dinheiro, Baía de Delaware. Salvadora Morales
Há muitas histórias que poderíamos contar durante esses 32 dias de anilhamento e observações em campo. Por exemplo, a captura do maçarico-rasteirinho marcado com bandeirola verde clara de código 1Y8 em 2013. Com a recaptura desse indivíduo, podemos concluir que este indivíduo tem pelo menos 10 anos de vida e viajou até 160.000 quilômetros entre suas áreas de invernagem nos trópicos e de reprodução no ártico do Canadá. Também, no dia 23 de maio, tivemos um feriado “festa latina” com uma onda de Calidris canutus chegando de alguns lugares no Chile, Argentina e Peru, marcados com bandeirolas verdes,, amarelas e laranjas, mas vamos contar essa história toda em outro espaço e tempo.
Você tem interesse em ser parte de uma campanha de anilhamento de 2023?
Entre em contato com David Mizrahi, david.mizrahi@njaudubon.org ou Jason Mobley, jason@aquasis.org
Entre em contato com Lena Usyk, bandedbirds1@gmail.com, se você tiver um registro de uma ave limícola marcada com uma bandeirola.